terça-feira, 28 de novembro de 2017

Galway Kinnell - Cara estranha existindo na memória junto ao Juniata azul


1
Após ter desistido
do porteiro, desmaiado
sob o seu relógio, que deveria ter batido
é de manhã
na porta de chapa fechada pela polícia,

posso ouvir o tino
do pequeno sino sacro, da Velha Torre, errando
pela cidade – quimo
dos nossos amores
a peristalse da vontade de amar para sempre
guia-nos, grão
após grão, até ao último,
o mais frio dos quartos, que é a memória –

e escutar os vermes
habitando debaixo das camas onde velhos morreram
rastejando cá para fora,
furando pelo cérebro e cortando
os nervos que guardam o livro da solidão.

2
Caro Galway,
          Começou tarde numa noite de Abril em que não conseguia dormir. Era a escuridão da lua. A minha mão ficou dormente, o lápis correu pela página guiando-se no seu caminho por não sei que razão. Desenhou círculos, oitos e mandalas. Chorei. Tive de largar o lápis. Eu tremia. Fui para a cama e tentei rezar. Por fim acalmei-me. Depois senti a minha boca abrir-se. A minha língua moveu-se, a minha respiração não era mais minha. O sussurro que forçou a sua saída pelos meus dentes disse, Virginia, os teus olhos brilham para mim do meu mundo. Oh Deus, pensei. A minha respiração diminuiu, o meu coração abriu-se. Oh Deus, pensei, agora tenho um demónio como amante.

A sua, sem fé nesta vida,
Virginia


in Galway Kinnell, The Book of Nightmares, Boston & New York, Houghton Mifflin Company, 1971: 27-28.

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